A busca pelo domínio do inglês já deixou de ser um ideal a ser alcançado e está mais uma ferramenta a ser adquirida. O mundo no qual vivemos já evidenciou que, muito mais que um diferencial, falar inglês tornou-se necessário para qualquer pessoa. Como educadora, poderia elencar inúmeras razões que justificam o aprendizado de uma língua como o inglês e seus incontáveis benefícios, mas para não cair em mais um discurso do senso comum, preferi escrever para aqueles que consideram-se “velhos demais” para aprender ou simplesmente sentem-se frustrados após inúmeras tentativas mal sucedidas.
Um dos maiores empecilhos enfrentados pela maior parte dos adultos recai sobre o fato de não considerarem-se aptos para a aprendizagem e apegarem-se a “falsa” premissa de que existe uma janela ideal (que tem seu início na infância e finda na adolescência) para aprender um idioma, e que vencido tal período, aprender torna-se simplesmente impossível. Primeiramente, não estou aqui para contestar a veracidade dos inúmeros estudos sobre a existência do período crítico proposto por Lenneberg, e muito menos para refutá-lo. Somente faço menção de tal por ser usado como desculpa por muitos adultos, visto que é mais fácil transferir o insucesso a um termo do qual a maioria sequer faz ideia sobre, mas soa inteligível quando usado como justificativa.
Contra o fato de que crianças se beneficiam mais do seu cérebro “em branco”, não há argumentos. Tanto no aspecto neuronal (plasticidade cerebral), que ocorre de maneira propícia para a aquisição ou aprendizagem de uma ou mais línguas nos primeiros anos de vida, quanto nos inúmeros aspectos psicológicos que envolvem sair da zona de conforto.
Aprender é um processo doloroso, que envolve inúmeras tentativas e erros, dedicação, tempo e motivação. Portanto, faz sentido que crianças aprendam com facilidade, dado que a vida ainda não as calejou o suficiente para que racionalizem e questionem cada e todo fator que envolve esse complexo processo. Enquanto adultos criam um bloqueio que os impede de tentar e apegam-se a vergonha de errar pelo por serem médicos, advogados e empresários bem-sucedidos fora do ambiente de aprendizagem, crianças não tem parâmetro de comparação e estão mais abertas ao novo desconhecido. O problema é que ninguém aprende uma língua só ouvindo e errar é essencial para obter êxito, em basicamente qualquer coisa, diga-se de passagem.
A primeira boa notícia é que nem tudo está perdido e os “velhos demais” de plantão ainda podem ver a luz no fim do túnel, afinal a maturidade pode ser uma excelente aliada neste processo. Antes de mais nada, outro dia, lendo o livro “Becoming Fluent” de Richard Roberts e Roger Kreuz, deparei-me com um trecho que me chamou atenção e não encontrei melhor forma de citá-lo a não ser colocando-o na íntegra aqui:
[...] há evidências que sugerem que os adultos podem aprender novas línguas
mais facilmente que as crianças. Existem apenas duas áreas onde as
crianças podem ser superiores aos adultos quando se trata de aprendizagem
de línguas. A primeira parece ser sua capacidade de adquirir um sotaque
nativo. É claro que, em alguns casos, adultos são capazes de alcançar
fluência semelhante à nativa também. Mas mesmo que um adulto estudante
de línguas tenha mais probabilidade de falar com sotaque, não há motivo para
ser excessivamente pessimista, contanto que isso não interfira na
inteligibilidade. A outra vantagem das crianças sobre os adultos é que elas
não têm ansiedade para aprender idiomas. Em outras palavras, porque as
crianças não são sobrecarregadas pela crença de que não podem aprender.
A outra boa notícia é que sotaque deixou de ser um problema para os falantes de inglês não nativos há tempos. Além de inúmeras escolas já utilizarem diversos sotaques em seus próprios materiais didáticos, o mundo comunica-se com sotaque e já fez do inglês uma língua internacionalizada. Atualmente, como moradora de uma cidade ao norte da Inglaterra, garanto que o que não falta aqui são sotaques indianos, romenos, africanos, árabes, sem mencionar os inúmeros diferentes sotaques que existem entre os próprios ingleses que coabitam um mesmo país. Portando, não cabe mais exigir que todos falem o inglês BBC da rainha da Inglaterra ou o inglês de Nova Iorque mostrado em seriados como Friends. Inclusive, até mesmo os exames de proficiência (como IELTS, TOFEL, por exemplo) não levam sotaque em consideração e nem sequer descontam pontos no exame, desde que o aluno demonstre inteligibilidade na hora de se comunicar.
Diante de estudos recentes sobre a inteligência humana e a plasticidade cerebral elucidando que não existem limites para o desenvolvimento do cérebro humano (ainda que estes processos decaiam com a idade) e, visto que adultos conseguem identificar com facilidade onde enfrentam maior dificuldade (se na escrita, na audição ou na fala, por exemplo), evidencia-se aqui algo muito importante: a desculpa de estar “velho demais” acaba de perder a validade e pode ser considerada prescrita.
Não posso ser leniente e dizer que existem métodos milagrosos ou escolas excepcionais que o tornarão um “expert” em inglês em pouco tempo. Minha atuação em sala de aula não me permite acreditar em promessas imediatistas e garantias sem conhecimento prévio. Cada individuo é único e por isso, responde a estímulos de forma diferente. Desenvolver uma habilidade nova implica: maximizar o potencial de funcionamento do cérebro, planejar novas maneiras de solucionar desafios e exercer atividades que estimulem diferentes áreas cerebrais, sempre respeitando a individualidade e contextualizando o ensino para atuar a favor de uma realidade que já vem dada. Somente desta forma é possível trabalhar o cérebro para exercer sua máxima capacidade de eficiência e de fato, obter resultados satisfatórios e palpáveis.
Sábio foi Saramago, que em seu livro “O conto da ilha desconhecida”, nos mostrou que a saída da ilha para ver a ilha é um processo pessoal e intransferível. Somente conhecendo a ilha (a nós mesmos), conseguimos tomar o controle da embarcação. Ainda que percamos o rumo ou não consigamos manter o barco firme durante as tempestades, por vezes imprevisíveis, somos nós que sofreremos as consequências e temos que lidar com elas. Gosto da lição desse livro por conta da sua carga realista não poetizada. Ela nos evidencia que o segredo do sucesso está no comprometimento, constância e alinhamento entre objetivos e possibilidades.
A verdade nua e crua é clara: situações desafiadoras e ambientes “complexos”, agradáveis e divertidos fornecem a capacidade extra de que o cérebro precisa para reconfigurar-se, mas é preciso esforço e vontade. Esforço e vontade que, muitas vezes, precisam ser extraídos de um buraco bem escondido dentro de cada um de nós. Nada que uma dose de café extra não ajude a solucionar.
Diana atua no ensino de língua inglesa há 12 anos, onde começou como professora e ascendeu para coordenadora e consultora (tendo trabalhado para empresas como Casa Thomas Jefferson, YES idiomas e EduSim).
Graduada em Pedagogia pela Universidade de Brasília e pós graduada em Tradução e Gestão de Negócios, defende a reforma do ensino de línguas e a internacionalização do ensino de inglês. Atualmente, após um período residindo na Inglaterra e trabalhando para grandes empresas inglesas (AllSaints e Lacoste), está de volta ao Brasil, atuando na área de consultoria de ensino de línguas. Entusiasta de novas tecnologias e processos como grandes aliados na aprendizagem focada para o mercado atual, busca desenvolver-se com cursos nas mais variadas áreas de atuação: desde tecnologia, a design thinking e aspectos neuropsicopedagógicos da aprendizagem.
Referências:
ROBERTS, Richard e KREUZ, Roger. Becoming Fluent: how cognitive science can help adults learn a foreign language. The MIT Press, 2015.
LENNEBERG, E. Biological foundations of language. Nova Iorque: John Wiley, 1967.
ELLIS, R. The study of second language acquisition. 2. ed. Oxford: Oxford University Press, 2008.
SARAMAGO, JOSÉ. O conto da ilha desconhecida. 1997.
GOLD, B.T.; Jiang Y, Jicha G.A.; Smith C.D. 2010. Functional response in ventral temporal cortex differentiates mild cognitive impairment from normal aging. Human Brain Mapping 31: 1249-1259.
HICKOK, G.; Poeppel, D. 2007.The cortical organization of speech processing. Nature Reviews Neuroscience. 8: 393-402.