Jogos e o aprendizado de línguas começaram a ter um papel mais significativo na minha vida mais ou menos na mesma época, mas, ao contrário do que acontece com muitas pessoas, não foi na infância nem na adolescência. Isso aconteceu quando era uma jovem adulta começando a primeira faculdade.
Aprendi muito com jogos e, de certa forma, eles contribuíram para o meu processo de aprendizagem do inglês. Como só tinha acesso aos jogos em sua língua original, não havia muita alternativa. Por mais que as interações com os outros jogadores acontecesse em português, para entender as regras e comandos, eu precisava do inglês. Foi assim que desenvolvi, principalmente, meu repertório lexical e a minha habilidade de compreensão oral e escrita, mesmo sem perceber.
Hoje, como profissional da área de ensino e aprendizagem de idiomas, consigo analisar esse meu processo e entendê-lo. Antes de mais nada, enquanto jogava, eu tinha necessidade e motivação reais para vencer a barreira linguística e entender o que estava escrito ou sendo dito. Como Fisher e Frey (2011) explicam, ter um propósito claro para aprender funciona como uma preparação para o aprendizado e contribui para um melhor entendimento do conteúdo.
Mas só a motivação e a necessidade não eram suficientes, eu precisava ir além de querer. Por isso, eu fazia uso de expedientes que hoje reconheço como sendo estratégias de aprendizagem e de estudo. Eu pesquisava, usava dicionários, aproveitava os suportes visuais que estavam naturalmente presentes nos jogos, inferia significados pelo contexto e, mesmo sem ter certeza, eu arriscava. Muitas vezes, estava errada na primeira tentativa, mas experimentava uma alternativa se o resultado não tivesse sido o esperado e, no final, acabava conseguindo.
É interessante notar que os jogos me proporcionaram um ambiente seguro para arriscar o feedback imediato sobre o meu entendimento e minhas ações. Posso dizer, sem sombra de dúvidas, que senti, na prática, a importância e os efeitos de me sentir confortável para arriscar, cometer erros e ser corrigida (Hedge, 2014). Além disso, jogar aumentava muito a minha exposição ao idioma e, muitas vezes, eu encontrava a mesma palavra/ expressão/ estrutura em oportunidades diferentes de forma que faziam sentido dentro do universo dos jogos. Harmer (2007) deixa clara a importância dessa exposição a outro idioma. Ele explica que quanto mais contato temos com o idioma que estamos aprendendo, mais aprendemos.
Mas o que me atraía tanto nos jogos para me fazer continuar jogando, mesmo sem dominar o idioma? Durante muito tempo, só conseguia responder essa pergunta de maneira superficial, geralmente associando essa atração a um gosto pessoal. Foi apenas quando comecei a estudar gamificação que consegui realmente identificar os fatores que contribuíam para o meu engajamento. Ao entender os diferentes elementos que constituem ou podem constituir um jogo, pude perceber quais deles eram mais significativos e me atraíam mais. Escolhi os três que mais importantes dentro da minha experiência com jogos.
Talvez o elemento que tenha mais me chamado a atenção é o elemento da narrativa (Chou, 2019). É ela que dá contexto para o objetivo do jogo: por que eu tenho que enfrentar todos esses desafios? Curiosamente, como aprendiz, sempre preferi conteúdos bem contextualizados, histórias bem contadas, talvez?
Outro elemento que me chamou a atenção era a presença de marcos claros (Chou, 2019), como, por exemplo, passar de fase ou nível. Saber que logo ali na frente existia um marco, me encorajava a jogar um pouquinho mais antes de parar para fazer outra coisa. Quando eu parava depois de atingir esse marco, ficava com a sensação positiva de dever cumprido e isso me encorajava a voltar a jogar mais tarde.
O elemento da investigação (Alves, 2015) também contribui muito para o meu engajamento como jogadora. Mais do que ganhar o jogo ou ter a melhor pontuação, sempre gostei da busca e da exploração, o que aumentava ainda mais a minha necessidade de entender o que era dito ou estava escrito, principalmente em RPGs.
Além desses três elementos e sua ligação com o meu lado jogadora, notei também a estreita relação entre o meu aprendizado de inglês e três dos quatro elementos constituintes de qualquer jogo (McGonigal: 2011): objetivo, regras, sistema de feedback e participação voluntária. Assim, o objetivo do jogo me ajuda a ter um propósito claro para aprender o idioma, como expliquei mais acima; as regras do jogo favorecem a minha percepção de que o jogo era um ambiente seguro de aprendizagem, uma vez que o que era esperado estava claro a todo momento; e o sistema de feedback imediato permitia que eu percebesse quando estava certa e errada para corrigir o rumo de acordo com a necessidade.
A percepção dessa relação evidencia o quanto as práticas pedagógicas podem se beneficiar de jogos e elementos de jogos para engajar alunos e alunas e potencializar o processo de aprendizagem. E isso pode ser feito tanto através do uso dos jogos em si (gamificação explícita), quando através da incorporação de alguns elementos de jogos à prática de sala de aula (gamificação implícita).
Referências:
Fisher, D. & Frey, N. (2011). The Purposeful Classroom – How to Structure Lessons with Learinig Goals in Mind. ASCD.
Hedge, T. (2014). Teaching and Learning in the Language Classroom. Oxford University Press.
Harmer, J. (2007). The Practice of English Language Teaching. Pearson.
McGonigal, J. (2011). Reality is Broken – Why Games Make Us Better and How They Can Change the World. Penguin Books.
Alvez, F. (2015). Gamification – como criar experiências de aprendizagem engajadoras – um guia completo: do conceito à prática. DVS Editora.
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