Bruno Albuquerque
Livros didáticos muitas vezes são colocados em oposição a materiais autênticos - aqueles que não foram criados para uso em sala de aula, como textos de revistas, vídeos do youtube, músicas, etc. Apresenta-se essa dicotomia e, por vezes, temos professoras e professores que acabam optando por um ou por outro. Defendo uma postura mais flexível e menos binária sobre uso de materiais.
É comum ouvir discussões sobre o uso ou não de um livro didático para aulas de inglês e os mais ferrenhos defensores de uma pedagogia da qual o livro didático não participa normalmente dizem que se sentem muito presos ao livro e que sentem-se forçados a 'cobrir' um conteúdo que às vezes não aparenta ter uma relação direta com as necessidades e gostos de nossas alunas e alunos. Com esses sentimentos de falta de personalização e espaço para a comumente efervescente criatividade do professorado, escolhe-se trabalhar apenas com materiais autênticos. Mas a que custo?
Livros didáticos são adotados por escolas, sistemas de ensino e professores particulares por diversos motivos. Os livros didáticos normalmente são criados por equipes de profissionais altamente qualificados e têm como base princípios e crenças sobre a natureza da língua e do ensino/aprendizagem de língua firmes e teoricamente embasados. Eles apresentam uma sequência didática lógica que facilita a progressão do aluno e auxilia a aquisição dessa língua por trilhar progressivamente de aspectos menos complexos da língua para mais complexos, o que pode impactar positivamente a motivação dos alunos e alunas e criar um sentimento de auto-eficácia. Nada melhor para motivação intrínseca do que a clara percepção de progresso e evolução.
Essa trilha, essa espinha dorsal do curso, é o que permite aos alunos e alunas um norte e um sentimento de progressão dentro do curso. Essa padronização é fundamental, também, para escolas e professores que trabalham com turmas, por uma questão de logística muito aparente: se temos livros, unidades, níveis, fica mais fácil nivelar alunas e alunos e inseri-los em turmas e níveis que estarão mais precisamente em sua zona de desenvolvimento proximal. E é nessa visão de espinha dorsal que vamos anexar os materiais autênticos e enriquecer essa experiência de aprendizagem.
O ensino apenas com materiais autênticos acaba sendo muito trabalhoso para a professora e professor. Todas as aulas precisam ser criadas do zero: desde a curadoria do material (video, texto, música, etc), passando pelo trabalho de design de atividades e adaptações necessárias para o nível, até a avaliação da aprendizagem e sequenciamento lógico de desenvolvimento. Um curso baseado apenas em materiais autênticos, que são fontes riquíssimas de língua, pode acabar tomando a forma de aulas individuais e desconexas, e não um curso com um norte e progressão clara.
Portanto, proponho uma visão de sinergia entre livros didáticos e materiais autênticos. Com base na ambivalência das coisas, contra uma perspectiva binária, o melhor a se fazer é criar um ecossistema de aprendizagem que possibilite o florescimento e desenvolvimento linguístico e social de nossas alunas e alunos. Esse ecossistema teria o livro didático como espinha dorsal, como norteador do curso, e, gravitando ao redor, teríamos inserções fundamentadas e coerentes de vídeos, músicas, textos, jogos, aplicativos e outros recursos com uso autêntico de língua. A ideia não é criar oposição entre esses materiais, mas criar uma relação mutualística onde conseguimos colocar à disposição daquelas e daqueles que estudam conosco a organização estratégica e sistêmica de um bom livro didático aliada à criatividade e autenticidade do inglês como língua global e agregadora.
E como fazemos isso? Para uma aplicação prática dessa pedagogia que conversa com livros didáticos e materiais autênticos, seguem algumas sugestões:
O livro didático não é o método e nem o curso. Tente ver o livro didático como mais um entre os vários recursos que podem ser utilizados em sala de aula. Dependendo do seu contexto, você pode fazer uma curadoria das atividades da lição, escolher a ordem em que vai apresentá-las em sala, trocar a ordem das lições e, por vezes até, a ordem das unidades do livro didático. Para isso, é necessário ter um currículo para o seu curso, sendo o livro didático um dos instrumentos utilizados para o alcance dos objetivos estabelecidos.
Quando for escolher um material autêntico para a aula, busque inseri-lo dentro do tema da lição/unidade em questão. Por exemplo: se você tem uma lição sobre medicamentos naturais e que defende o uso desses medicamentos, que tal um vídeo/texto com uma perspectiva contrária para gerar um momento de desenvolvimento de pensamento crítico em sala?
Material autêntico, por definição, não tem um nível definido. Um vídeo autêntico apresentará estruturas gramaticais e vocabulário de diferentes graus de complexidade. A sugestão aqui é usar o material autêntico com um foco em meaning e objetivo comunicativo. Melhor do que fazer com que as alunas e alunos entendam 100% do que é dito naquela palestra que você trouxe, é garantir que eles entenderam a mensagem sendo transmitida e que, posteriormente, conseguiram atuar de forma produtiva sobre essa mensagem. Uma discussão, um artigo de opinião, uma crítica, uma resenha sobre o tema farão com que esses estudantes percebam que foram capazes de lidar com um material não-nivelado e, portanto, dará mais autenticidade e sentido à aprendizagem.
Uma das máximas do Communicative Language Teaching (CLT) - “Grade the task, not the text” - (Nivele a atividade, não o texto), na minha opinião vai até a página 2. Um vídeo/texto/áudio autêntico muito distante da zona de desenvolvimento proximal dos alunos e alunas pode trazer um sentimento muito negativo sobre auto-eficácia e desmotivar. É importante adaptar a atividade e não adaptar o material autêntico para que ele não perca sua autenticidade, mas também é importante buscar estratégias que farão com que os alunos e alunas sintam que foram capazes de lidar com o material - e não só com a atividade. Para isso, podemos fornecer andaimes que auxiliem os alunos na compreensão desse material.
Essas sugestões visam auxiliar na criação de uma estrutura de ensino mais personalizada e autêntica que um curso baseado apenas em um livro didático e mais estruturada e sistemática que um curso baseado apenas em materiais autênticos. Essa pedagogia integrada em um ecossistema de ensino, desenhada com as necessidades e interesses de nossas alunas e alunos em foco, transcende - em muito - visões dicotômicas de isso ou aquilo e possibilita à professora e professor, alunas e alunos, um trabalho mais plural e pedagogicamente eclético.